sexta-feira, abril 21, 2006

Pai

Meu pai era uma pessoa muito inteligente, crítica, e muitas vezes teimosa. Como todo filho de peixe, não pude ser diferente. Com o orgulho transmitido geneticamente, muitas vezes divergíamos sobre questões políticas, de maneira que eu pensasse que a educação que ele me proporcionou fosse muito melhor do que a que ele teve, imaginava-o mal informado e muito radical. Talvez isso se devesse ao fato dele ter sido educado num país distante, depois que meus avós se evadiram de campos de concentração durante a segunda guerra, e vieram para o Brasil sem saber falar uma palavra em português.

Eu creditava o seu radicalismo às seqüelas do seu passado, ouvindo as histórias horrendas da guerra e da violência contra os judeus. Assim como a maioria, também sempre fui bombardeado por Hollywood com seus filmes espetaculares sobre o anti-semitismo e as crueldades da segunda guerra, sempre numa visão muito americanizada e nem sempre real. E o porquê tudo aquilo? Por dinheiro e poder... Simplesmente!


Ouvi meu pai divagar várias vezes com opiniões radicais, que embora eu não fosse capaz de concordar completamente, estas idéias ficaram e ficarão ecoando no meu ouvido, e de tempos em tempos eu racionalizo sobre elas.


Ele dizia que o Brasil, sendo o que é, com suas riquezas, somente seria viável e justo aos próprios brasileiros no dia que houvesse, no Brasil, uma classe revolucionária, violenta e extremista para retirar à força do poder as figurinhas marcadas, a dinastia coronelista e seus testas-de-ferro. A retórica sempre me instigou.


Também era comum ele afirmar que a vida do pobre trabalhador fora muito melhor durante a ditadura, a tal da ditadura militar. Será?

Eis que no momento estou revisando tais posições, além dessas inquietações, do meu pai restam ótimas lembranças, algumas cicatrizes e saudades. Nestas linhas recordo dele e incrivelmente, estou contente, olhos marejados, não sei se é apenas uma questão química, o sono, ou o prazer de conseguir me expressar.


Meu raciocínio pode até falhar, mas eu sinto que vivemos num país realmente muito pior do que aquele da ditadura militar. Também sinto que as aspirações revolucionárias da juventude daquela época foram alcançadas. Os jovens estão armados e lutando, pena que entre si, se matando pelo mesmo mal que me enoja, por poder e grana, em menor escala claro! Inconsciente miserável pela sobrevivência, indiscutível e lastimável.

Essa violência cotidiana foi e continua sendo fomentada por aqueles hipócritas de sempre, criando a miséria, o ódio, o desespero, e chego a duvidar se temos como reverter o quadro que vivemos. Esses hipócritas nos dizem que a ditadura acabou, mas é óbvio que ela apenas se transformou para continuar atendendo aos mesmos canalhas, entre outras coisas, a ditadura se transformou em concessões de rádio e tv, poderes executivo, judiciário e legislativo, que garantiram anistias à genocídas, auto-favorecimento, imunidade parlamentar, impunidade e repressão econômica-social através do assalto aos direitos humanos, nos privando de educação, saúde, etc. O exílio continua existindo, a cada dia temos mais e mais brasileiros exilados nas favelas, morros, cortiços e pontes, sem direito a cidadania, exercendo apenas a obrigação do voto. E ao contrário o exílio que os artistas sofreram, nós continuamos aqui mesmo, produzindo riquezas para uso e fruto daqueles que nos julgam e condenam a viver como animais.


Isto seria apenas o retrato que tenho hoje, sei que voltarei a pensar sobre isto quando tiver filhos, afinal, que mundo eu entregarei à estas crianças?

Paz!

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