quarta-feira, outubro 25, 2006

TEOLOGIA DO ÓDIO

O CAFAJESTE X O TOLO

Um exame histórico-religioso da farsa do século no Brasil


Uma armadilha... Nestes anos em que se chocou o ovo da serpente, os brasileiros foram convencidos a acreditar que Geraldo Alckmin fosse apenas um moço tímido do interior, meio tolo, mas de boa índole.

A história do "picolé de chuchu", comprada inocentemente pelas esquerdas, emprestou consistência à tese.

Do ponto da luta pelo poder, a estratégia dos setores reacionários sempre tem sido clara no sentido de arrebanhar adesões nos segmentos "médios" do eleitorado, mais especificamente no centro do espectro político. Para isso, fugiram da tentação ao explícito: evitaram a candidatura majoritária de um Bornhausen, de um ACM ou de um Coronel Ubiratan.

Interessava à direita que seu candidato não tivesse o semblante sotuno de outros cascas grossas descendentes da Casa Grande.

Então, encontrou-se um espécime ideal. A máscara de ingênuo abobado ocultava perfeitamente o político autoritário, tão perigoso quanto dissimulado, aquilo que a experiência nos permite chamar de cafajeste.

Sua formação na família apresenta indícios claros de sua natureza. Ali, recebeu as piores lições. O pai, além do carolismo tradicionalista, empenhou-se como entusiasta da União Democrática Nacional (UDN), o partido golpista que sempre combateu qualquer empreendimento público humanizador ou de divisão da riqueza.

A formação política de Geraldo, no entanto, muito se deve a José Geraldo Rodrigues de Alckmin, que serviu como ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo presidente Emílio Garratazu Médici. Nessa época, o Estado patrocinava torturas, estupros e assassinatos, com a justificativa de livrar o Brasil da ameaça do comunismo. Rodrigues de Alckmin emprestava total solidariedade aos organismos de repressão. Dizia publicamente que as ações "corretivas" eram necessárias para preservar o traço católico e "anti-esquerdista" da sociedade brasileira.


Tortura como diversão

Na época, a corja de defensores da tradição se divertia em sessões promovidas pela Oban (Operação Bandeirante), em São Paulo, nas quais não faltavam bordoadas, afogamentos e choques elétricos. Entre os amigos de Rodrigues de Alckmin, destacava o industrial Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragás, e um dos financiadores da Oban. A pesquisa histórica revela que um dos equipamentos de tortura fora batizado de "Boilesen", em homenagem ao entusiasta dos rituais sádicos da repressão.

Boilesen, eliminado em 1971 por guerrilheiros da ALN, tinha em Rodrigues de Alckmin um amigo fiel, que o tratava como um menino sapeca. Outro parceiro era Theobaldo de Nigris, então presidente da Fiesp, que franqueava a entidade para os encontros de Boilesen com outros empresários.


O moço de Pinda e o terror justificado

Pode-se imaginar como o moço quieto do Vale do Paraíba se adaptou a essa práxis política. Certamente, entretanto, é necessário um olhar para a história, mais precisamente para a história da religião.

Todo o comportamento das seitas fundamentalistas latinas, do Opus Dei à TFP, tem raízes na Inquisição tardia praticada no mundo ibérico.

Há um nome que alinhava todas essas influências ancestrais. Trata-se do espanhol Tomás de Torquemada, o Inquisidor Geral do século 15. Conhecido pelo fanatismo e pela crueldade, o dominicano defendeu a ferro e fogo a "doutrina" da fé.

Em quinze anos à frente da Inquisição Espanhola, estabeleceu duas dúzias de Tribunais do Santo Ofício. Sua ação tocou a vida particular de cada indivíduo. Deter a posse de um livro escrito em árabe, desenhar um castiçal judeu ou tomar banho podiam render uma prisão, dias de tortura e uma execução. Os historiadores estimam que Torquemada comandou os assassinatos de 30 mil pessoas, especialmente na fogueira. Tudo em defesa da unidade da Igreja e pureza da fé.


Ética relativa e doutrina fascista

Acredita-se ingenuamente que as vilanias oficiais de Torquemada estejam restritas ao reinado de Isabel e Fernando. Nada mais equivocado. As tiranias do monge foram inspiração para a recomposição de vários movimentos católicos conseradores e fascistas que desencadearam a Guerra Civil Espanhola.

Assim, como pregava Torquemada, muitos sacerdotes espanhóis da década de 30 exigiam uma "limpeza" do país. Por isso, consentiam e estimulavam a prática da tortura e da eliminação física dos "hereges", fossem eles anarquistas, pacífistas, comunistas ou imigrantes de outras confissões religiosas. Os "subversivos" eram duramente perseguidos. O poeta Garcia Lorca foi executado com um tiro na cabeça. Pablo Picasso teve de exilar-se na Espanha, pois a ele reservava-se igual destino.


Opus Dei no poder: fanatismo e agressão

Ainda que considerasse importante o "expurgo" e a "filtragem", o monsenhor Escrivá, fundador do Opus Dei, desenhou uma imagem pública "civilizada" de sua seita, ainda que a violência física estivesse cotidianamente presente nos rituais de contrição e outros exercícios preparatórios.

Internamente, há inúmeros relatos de sessões de tortura psicológica e até física de membros do Opus Dei. Um caso célebre é de Gladys, uma funcionária da assessoria central do movimento, acusada de vazar segredos sobre as práticas do grupo.

Vale relembrar a ordem de Escrivá em relação à funcionária, reproduzida em vários livros:

- Cójanla después, levántenle las faldas, bájenle las bragas y denla en el culo, en el culo!!, hasta que hable. Háganla hablar!!


A Espanha do atraso

Condenada ao breu da consciência, a Espanha do radicalismo católico permitiu frutificar também uma cultura fascista, falangista e de horror à diferença de pensamento. Entre 1939 e o final da década de 60, o país passou por período de total estagnação econômica e de obscurantismo no campo das ciências naturais e da cultura.

Interessante saber que a partir da década de 60, com o enfraquecimento do Estado, o Opus Dei se converte na tábua de salvação do ditador Francisco Franco. Mas como? Havia anos, a seita tratara de cooptar algumas das melhores cabeças do país, homens e mulheres que se destacassem em seus setores de atividade. Os primeiros da classe estavam sempre na mira dos head-hunters do movimento.

Nessa época, Franco nomeia vários membros do Opus Dei como ministros. Esses colaboradores foram apelidados de "tecnocratas", por aprofundar o traço capitalista da economia e exterminar os antigos processos cooperativos nas pequenas comunidades. Essa tecnocracia voraz diminuiu sensivelmente o poder das correntes falangistas e carlistas no governo. O Opus Dei focou suas atividades principalmente nos colégios e universidades.

Até recentemente, inúmeros membros do governo espanhol estavam ligados ao Opus Dei. É o caso do fiscal geral do Estado, Jesus Cardenal. Em 2002, durante a canonização de Escrivá, estavam presentes no Vaticano o ministro da Defesa, Federico Trillo, a ministra de Assuntos Exteriores, Ana Palácio e o ministro da Justiça, José Maria Michavila.


Sectarismo espanhol para o mundo

Há anos, o Opus Dei desenvolveu um lento e eficaz trabalho de cooptação em vários países, especialmente na América Latina. Dezenas de jornalistas brasileiros, por exemplo, foram levados à Universidade de Navarra pelas mãos de Carlos Alberto Di Franco, membro ativo da organização, atualmente no controle extra-oficial do jornal O Estado de S. Paulo.

Di Franco é também uma espécie de preceptor de Geraldo Alckmin, a quem ministra aulas de teologia, prática religiosa, ação política e estratégia de propaganda.

No continente, o Opus Dei controla inúmeros outros veículos de comunicação e dioceses. É o caso do Peru. O cardeal arcebispo de Lima, Juan Luis Cipriani Thorne é membro ativo do Opus Dei. Grande número de profissionais peruanos são formados de acordo com a doutrina do Opus Dei numa de suas mais conceituadas instituições escolares, a Universidade de Piura.

Sabe-se que o Opus Dei tem outros dois importantes políticos latinoamericanos em suas fileiras. Um deles é o presidente colombiano, Álvaro Uribe. O outro é Joaquím Lavin, líder da direita chilena. Mas não há limite para a influência do movimento. Recentemente, a ministra da educação do Reino Unido, Ruth Kelly, admitiu que pertence à Opus Dei.


As técnicas da Teologia do Ódio

Antigos numerários do Opus Dei sabem que a seita concorda em que "os fins justificam os meios". Dessa forma, mentir, por exemplo, é um pecado perdoado se a finalidade for considerada nobre. É o que justifica, por exemplo, em O Código Da Vinci, as vilanias do assassino Silas.

Entre as práticas de propaganda do Opus Dei, há quatro que se manifestam claramente na campanha presidencial brasileira.

1) Acusar repetidamente, sem descanso, o adversário, de modo a desqualificá-lo para o debate.

2) Apelar ao senso comum, de modo que a crítica pareça sempre palatável, ainda que seja necessário recorrer a figuras de linguagem e à hipérbole nos exemplos.

3) Expor repetidamente o "demônio" que se oculta no adversário, de modo a fazer brotar nas gentes comuns a ameaça a seus valores tradicionais e à estabilidade de suas vidas.

4) Criminalizar os ímpios publicamente, destacando no discurso somente aquilo que serve, de modo prático, à recuperação do poder, segundo os cânones da verdadeira doutrina da fé.

Não por acaso, a cartilha da "geração de conflitos" vem sendo seguida à risca pela oposição de direita espanhola, pelo colombiano Uribe e, de maneira escancarada, pelo candidato do PSDB à presidência do Brasil, Geraldo Alckmin.

Sabe-se do encontro de mais de três horas entre Carlos Alberto Di Franco e Geraldo Alckmin, dois dias antes do debate na Rede Bandeirantes. Pode-se acreditar que algo do comportamento do candidato se deve ao avivamento dessa missão estratégica.

1) Houve intenso trabalho de desqualificação do adversário. Mesmo quando Alckmin era desrespeitoso, fazia questão de distorcer a realidade, acusando o oponente da infração que cometia.

2) Ao dirigir-se diretamente ao eleitor, Alckmin reavivava preconceitos e a idéia da realidade degradada, como se houvesse iminente ameaça aos brasileiros, como se a realidade estivesse inapelavelmente contaminada pela sabotagem dos hereges. As mentiras sobre "geração de energia", "aerolula", "educação em São Paulo" e "questão do emprego" foram repetidas inúmeras vezes, de modo que se convertessem em verdades.

3) O discurso hipócrita e moralista da "corrupção" foi empregado para colar à imagem do oponente os piores atributos.

4) A questão programática foi escamoteada. O rito jurídico foi desprezado. Acendeu-se a fogueira. Pessoas foram condenadas sumariamente, recuperando-se na dissimulação elegante o mesmo discurso inquisitório de Torquemada.

Este do debate é o Alckmin religiosa e obedientemente cafajeste, o que revela finalmente a maldade tirânica dos que manipulam a realidade em nome de um projeto de poder. A missão dos Giordanos Brunos, dos Picassos e dos Lorcas de hoje é desmascarar esse falso anjo tolo. Que seja agora.



Mauro Carrara



Mauro Carrara é jornalista, nascido em 1939, no Brás, em São Paulo. É o segundo filho de Giuseppe Carrara, professor de Filosofia em Bologna, e de Grazia Benedetti, uma operária e militante comunista de Nápoli. O casal chegou ao Brasil em 1934, fugindo da perseguição fascista. Mauro foi para a Itália em 1959, por sugestão do amigo dramaturgo G. Guarnieri. Em Firenze, estudou arte, ciências sociais e comunicação. De volta ao Brasil, passou dois anos na Amazônia. Ao atuar na defesa dos povos indígenas, foi preso pelo regime militar. Libertado, voltou à Itália. Como free-lancer, produziu reportagens para jornais como L'Unita e Il Manifesto. Com o primo Antonino, esteve no Vietnã, no início da década de 70. Em 1973, no Chile, juntou-se à resistência ao golpe contra Allende. No Brasil, como clandestino, aproximou-se do cartunista Henfil, cujos trabalhos traduziu para uma revista alternativa italiana. Na década de 80, prestou serviços para a ONU em países como China, Iraque e Marrocos. Nos anos 90, assessorou ONGs brasileiras, especialmente na área de Direitos Humanos. Cidadão do mundo, atua na área de comunicação e relações internacionais.

Um comentário:

Unknown disse...

"0 comentarios"??? Como assim, Will?
Bom... Tem horas que eu acho que o Carrara viaja. Mas esse artigo ficou muito bom, sem romantismo nem exageros.
(...)
Noite passada acordei com meus próprios gritos; sonhava que tentava explicar pra algumas pessoas que de nada adianta repetir como um papagaio as asneiras do Jabor e os argumentos do Geraldo. As pessoas para quem eu tentava explicar isso zombavam de mim, me deixando extremamente irritada. Que pessatêlo, não?
É um pesadelo constante, que vivo no meu dia-a-dia... essas pessoas ignorantes que chamam o presidente de ignorante... essas pessoas "pequenas" que engolem o blá de qualquer Dr em retórica... e também esses petistas que defendem Lula como se ele realmente fosse um SANTO! Poxa! Estamos na merda, minha gente! E tenho certeza que não temos nem ideia de QUANTA merda temos na nossa política. É vergonhoso, eu me sinto ultrajada como cidadã e pior, não sei o que posso fazer para melhorar essa situação. Vc sabe? ...---...
[]'s
Gabi