quinta-feira, dezembro 14, 2006

Inclusão periférica na marra. Será?

Para pesquisadores, produções culturais não precisam mais de legitimação do centro. Ivana Bentes, da UFRJ, diz que televisão, de forma "esquizofrênica", idealiza e criminaliza a periferia ao mesmo tempo.
Décadas depois de emergir como um dos focos da representação cultural da pobreza urbana brasileira, problematizada (e romantizada) pelo cinema novo e acolhida nacionalmente por meio do samba e da canção popular, a favela vem sendo reciclada e assimilada nos últimos anos pela generalização de um outro conceito -o de periferia.
A periferia não é mais a antiga favela pendurada no morro do Rio, associada a malandros, sambistas e cabrochas. Agora ela se espalha pelo país, produz rap, funk e outras ondas, e sua nova cara vai se desenhando no cinema, na TV, na propaganda, na música e na literatura.
Fonte: Folha de São Paulo on-line

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Na visão mercadológica, é mais do que óbvio que esta parcela da sociedade (bem expressiva por sinal) consome e também produz, mas sempre houve alguém de fora que intermediasse a produção e consumo lucrando muito com isso.

A tal falta de legitimação do centro é um movimento que pode ser notado inclusive nas urnas durante a eleição. É chegado o momento onde a classe média está tão perdida em seu mundo transitório entre a marginalidade periférica e a ilusão de ascensão social e fútil que não sabe o que pensar, quanto menos produzir o pensamento crítico e influenciar e/ou determinar o modus vinvendus como fazia.

A produção cultural que extrapola os limites do muro de chumbo invisível é inevitável. Ao passo que a autovalorização da cultura periférica gira a roda de consumo daquilo que é produzido na periferia, é inevitável que a grande mídia absorva isso, mas numa escala lucrativa menor.

A música popular toma o seu devido lugar. Os rótulos criados para os boleros de quinta, à base de violão e choradeira, da tal MPB irão cair, chega de mais do mesmo. Na música temos o elemento “crítica” com o RAP e o samba de raiz, o showbizz com os “sertanejos de butique”, o Calypso, o pagodinho mela-cueca, e o regionalismo com o forró e todas as misturas possíveis.

Nas artes plásticas, destaca-se o grafite como uma força de expressão muito distinta, e ainda mal interpretada. Na literatura, surgem talentos da “literatura marginal”, com o principal ícone, Ferrez. Na moda, é notável a identificação dos Manos e Minas com seu modo de vestir, mesmo que copiado dos gringos, porém adaptado às nossas condições e costumes.

Se questionarmos onde tudo isso encontra suporte, a resposta é categórica: Hip-Hop.
Mas para os acadêmicos oriundos da classe média, HipHop não passa de um estilo musical, confundindo-se com o RAP e os experimentos de misturas de ritmos.

A grande mídia deu um sinal enorme de que não tem como barrar as produções culturais da periferia ao exibir em três blocos da maior revista televisiva nacional, o Fantástico, o documentário “Falcão – Meninos do Tráfico”, um cross-media lançado como longa metragem, livro e trilha sonora própria. Pode parecer mais uma tentativa frustrada de cutucar o inconsciente popular, como já vimos no cinema novo, onde o retrato da vida periférica e miserável é explorado e tido como fictício e romântico para a classe média, mas a denúncia social está aí estampada na cara de todos.

Essa mesma classe média tenta se afastar da periferia nos seus belos condominios de luxo, tendo apenas dois focos de relacionamento com a periferia. O primeiro foco é o de vítima da violência urbana, praticada pelos periféricos. O segundo é a eterna relação servil, patrão e empregado. Nem vou considerar a filantropia patética dos esnobes que não querem saber dos problemas da periferia. Periferia esta, que não pára de crescer e ganhar espaço e participação na sociedade. E este espaço representativo e por que não “democrático”, em parte tem um aval simpático do presidente da república, mas ainda é muito pouco.

Os acadêmicos ainda tentam colocar o movimentação da cultura periférica dentro da grande mídia, como um “assalto”. Errado! A cultura dos morros e favelas sempre existiu e foi consumida ali mesmo. O que a grande mídia faz é apenas aproveitar o inevitável pra gerar mais receita, ou não perder a "boquinha". No inconsciente popular, aparecer na TV é uma forma de ascender, mesmo sem alicerce algum, para uma vida melhor, com grana, fama e um relativo respeito. Para citar exemplos, todos os rappers que se meteram com a grande mídia, ganharam uma parcela da grana que geraram, mas nem tudo pode ser dito na TV, e em seguida essa mesma grande mídia abandona o artista para explorar outro. Marcelo D2 que o diga.

Pra variar é a massa pela massa, de certa forma inconsciente, mas é a contra-partida da invasão da mídia, a qual corrompe as almas dos periféricos pelo consumo de produtos que não poderiam usufruir devido ao seu aporte financeiro. Causa primária dos delitos dos "Falcões"...

Eis o momento de invadir a grande mídia com o que a periferia produz, sem aval nem financiamento do “centro”. E claro o centro continua lucrando, porém a pirataria e o avanço dos meios de comunicação, inclusive Internet, suportam o desenvolvimento cultural auto-sustentável da periferia que não sabemos até quando permanecerá tolerante com os abusos e imposições consumistas dos mais favorecidos.

Deixo aqui o meu convite para o entendimento da cultura HipHop... sem profecias, mas com muito orgulho.

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